Homenageadas da 49° Feira do Livro compartilham memórias afetivas e amor pela literatura

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Homenageadas da 49° Feira do Livro compartilham memórias afetivas e amor pela literatura

Fotos: Marcelo Oliveira

A 49ª Feira do Livro de Santa Maria começou nesta sexta e vai encher a praça com atrações culturais pelas próximas semanas. A nova edição representa a volta das atividades presenciais, já que em 2020 foi realizada de forma remota e, no ano passado, em formato híbrido. Em 2022, a Cidade de Lona terá, pelo menos, 120 lançamentos, 31 estandes e cerca de 40 expositores.

Além da abertura oficial, primeiro dia de Feira do Livro foi marcado por movimento intenso

Neste ano, o livro desembarca na praça, como nos mostra o tema da edição, assim como a identidade visual criada a partir de uma ilustração do artista Byrata Lopes. E, além de homenagear a história ferroviária que forjou Santa Maria, a 49ª Feira do Livro tem três personalidades da cidade que, além de partilharam a paixão por boas histórias, têm licença poética para falar com propriedade sobre literatura, educação, inclusão e até música.

PAIXÃO PELA LITERATURA DESDE CRIANÇA

A professora, pesquisadora e escritora Nikelen Witter é uma personalidade já habituada à Feira do Livro de Santa Maria. Ela é graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), realizou mestrado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Além da pesquisa acadêmica, a professora é uma apaixonada por literatura e a relação com os livros começou quando era criança:

– Meu pai era técnico em comunicações e precisava viajar para Porto Alegre a trabalho e sempre que ele fazia isso, eu mandava uma listinha de livros. Geralmente, era nas minhas férias da escola, então eu chamava de “Lista de Férias”. Um dia, ele chegou na livraria e a atendente perguntou se ele gostaria do desconto para professores, já que a lista dava a entender que ele dava aulas para crianças. Meu pai respondeu que não e riu, mas, ganhou o desconto mesmo assim. Ele riu dessa história por muitos anos.

Espetáculo ‘Mundo na Mão’ é uma das atrações deste sábado na Feira do Livro

Foi essa paixão que incentivou a professora e pesquisadora a começar a criar e contar as próprias histórias. Hoje, ela é uma das principais representantes do Brasil quando o assunto é o gênero steampunk que se trata de uma espécie de subgênero narrativo vivido em uma realidade alternativa, na qual elementos tecnológicos são postos no passado utilizando os recursos que não existiam então – como computadores feitos de madeira ou aviões movidos a vapor. Steampunk é, portanto, o futuro do passado – ou no passado.

A escritora tem cinco livros publicados, um deles com os escritores A.Z. Cordenonsi e Enéias Tavares, intitulado Guanabara Real: A Alcova da Morte, vencedor do Prêmio Le Blanc que, recentemente, ganhou a continuação chamada O Covil do Demônio. Em 2020, seu romance Viajantes do Abismo foi indicado na categoria de Melhor Romance de Entretenimento no 62º Prêmio Jabuti. Dezessete Mortos, uma coletânea gótica publicada em 2020, recebeu o Prêmio Açorianos na categoria Conto.

Ainda, ela divide a mesma idade da feira, além de outras características como ser uma referência quando o assunto é literatura.

– A ficha ainda está caindo. A gente trabalha, escreve e publica, mas parece que, na maior parte das vezes, é um sentimento pessoal de satisfação. E fiquei muito emocionada e impressionada que isso tivesse chamado a atenção a ponto de ser identificada como a patronesse de uma feira de livros tão simbólica como a de Santa Maria. Isso é muito bonito para mim e é a coisa mais maravilhosa que pode existir – emociona-se.

REFERÊNCIA NA EDUCAÇÃO ACESSÍVEL E INCLUSÃO 

A professora Maria Esther Gomes de Souza não nasceu em Santa Maria, mas como milhares de pessoas, escolheu o Coração do Rio Grande como lar. A primeira passagem pela cidade foi em 1991 e durou até 1997, quando formou-se em Educação Especial pela UFSM.

Depois da primeira graduação, Maria seguiu estudando. Pós-graduou-se em Psicopedagogia, em Educação Especial: Déficit Cognitivo e Educação de Surdos (UFSM) e em Libras – Área Linguística (UNICID). A trajetória profissional de Maria sempre foi direcionada pela luta por uma educação acessível e possível para todos e todas – independentemente da deficiência.

E, além da acessibilidade, a professora é apaixonada por esportes. Encontrou no vôlei mais um talento e, também, oportunidades profissionais. Hoje, é professora de surdos na rede estadual de ensino, na Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo F. Cóser e técnica de voleibol da Associação dos Surdos de Santa Maria, da equipe feminina de vôlei da UFSM e das Seleções Gaúchas de Vôlei de Surdos Indoor e de Praia. Técnica da Seleção Brasileira de Vôlei de Praia de Surdos, que participará da Deaflympics 2022 (Olimpíadas Mundiais de Surdos).

Mesmo com um currículo vasto, Maria não esperava ser homenageada na 49ª Feira do Livro de Santa Maria. Para ela, mais que uma realização profissional, a homenagem é uma forma de dar visibilidade ao trabalho desempenhado na escola Reinaldo Cóser.

– Nós, professores, trabalhamos muito. E não podemos deixar de dizer que esse trabalho se intensificou na pandemia. Tenho um contrato de 20 horas semanais, mas, cheguei a trabalhar durante 10 horas diárias durante a pandemia. Além da inclusão digital, nossos alunos também precisaram de materiais adaptados para LIBRAS. Por isso, ser homenageada na feira é uma forma de mostrar a eles que tudo que fazemos na escola é uma conquista – comemora.

Confira os lançamentos do primeiro final de semana de Feira do Livro

Além da educação, os livros fazem parte dos 49 anos de vida da professora. Ela é autora de seis livros, dois deles foram escritos durante a pandemia e serão lançados durante a Feira do Livro: Minivoleibol para Surdos e Uma história de mãos brilhantes, que foi criada durante as aulas da escola Reinaldo Cóser.

– É muito legal ver que “Uma história de mãos brilhantes” é exatamente o retrato das nossas aulas. O livro surgiu porque percebemos que nós, surdos, nunca éramos protagonistas das histórias. Então criamos a nossa própria narrativa – conta.

Maria perdeu a audição de um dos ouvidos, então, hoje, é deficiente auditiva. Esse fato só a aproximou ainda mais dos alunos e do ativismo por uma educação inclusiva:

– Eu brinco que foi uma peça do destino. Me formei educadora especial, aprendi LIBRAS e defendi a acessibilidade muito antes de ficar surda. Depois disso, a deficiência me mostrou que estamos certo de lutar pela inclusão e pela possibilidade de tornar todos os lugares cada vez mais acessíveis.

DA MÚSICA NATIVISTA ATÉ A LITERATURA 

A Feira do Livro deste ano faz uma homenagem póstuma ao cantor, compositor e médico Mário Eleú, que faleceu em janeiro deste ano. Aclamado por canções Orelhano, Trem da Fronteira, Silva da Silva, Provinciano, Na Romaria e Mala Vazia, as composições de Mário venceram festivais em todo o Rio Grande do Sul.

A paixão pela música regional possibilitou ao médico ser jurado em três edições da Tertúlia Musical Nativista. E, antes de integrar o júri, ele participou de diferentes tertúlias. De acordo com Eloisa Monteiro Silva, uma das filhas que representa Eleú na homenagem póstuma, o compositor veio de uma família bastante simples. Quando criança, trabalhava no campo ao lado dos pais, em Quaraí, mas o que queria mesmo era estudar. Pediu ao pai para vir a Santa Maria e, após a autorização, começou a estudar em um dos colégios mais antigos de Santa Maria, o Maneco. Anos depois, formou-se médico, mas nunca conseguiu deixar de lado a veia artística. Assim, passeava pela literatura com prosas e poesias e ocupou a cadeira 127 como membro titular da Academia de Letras do Brasil – seccional Rio Grande do Sul.

Na Academia de Letras do Brasil, segundo a filha Eloisa, começou a ficar incomodado por não ter escrito livros.

– Mesmo com as composições, o pai se questionava o porquê de ocupar uma cadeira sendo que ele não tinha livros. Essa inquietação foi a responsável pelas obras que, posteriormente, veio a publicar. Assim, surgiram os livros Velho Doutor e Ginete de Ilusões – conta Eloisa.

Em Velho Doutor, Mário reuniu os melhores causos de 50 anos de atuação como médico.

Feira Nerd ‘Multiverso Geek’ é atração em Santa Maria até domingo

A profissão que amava lhe rendeu grandes questionamentos ao longo de meio século de atendimentos. E, em Ginete de Ilusões, o cantor reuniu a história de cada uma das músicas que compôs. As duas obras foram expostas na Feira do Livro de 2021 com direito a sessão de autógrafos.

Para Eloisa, a homenagem é uma honra por reconhecer o trabalho literário do cantor, compositor e escritor e, ao mesmo tempo, é um abraço que afaga toda a família:

– O pai era um apaixonado pela feira, tanto que em 2021, quando expôs os livros, ficou em total êxtase. Certamente foi um dos últimos sonhos que ele realizou. E é incrível ver as pessoas falando das composições dele, cantando as músicas e reconhecendo o talento poético que ele tinha. A Feira do Livro é, também, um espaço para celebrarmos essas memórias afetivas.

Formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFSM, Eloisa dividiu a paixão pela poesia com o pai. A canção Do Coração à Razão tem um pedaço da filha e a história da música envolve coincidências familiares:

– O pai ficou um tempo na UTI em razão de problemas cardíacos, quando ele deu alta, saiu com um verso pronto na cabeça: “Eu pensei que já soubesse das manhas do coração”. Nesse meio tempo, passei por uma dinâmica no trabalho da época que o tema era algo sobre a distância entre o cérebro e o coração. E, na escola, um sobrinho meu, neto do pai, estava realizando uma atividade musical e foi sorteado com um tema relacionado a razão e emoção. Enfim, parece que, de uma forma ou de outra, nossa família toda passava por um momento bem sentimental e precisamos pensar sobre a razão e a emoção. Assim, o pai compôs uma das músicas mais lindas que já ouvi

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